sexta-feira, 25 de outubro de 2013

O Pão da Terra

  Na minha terra cheira a terra: molhada depois da chuva ou seca a abrir caminhos que não existiam. Na minha terra cheira à palha seca, ao estrume que é morte e vida e tudo de novo. Na minha terra cheira à lareira apagada, a cinza habitando as paredes à sua volta. 

  Nesta terra que é a minha e de quem eu sou no avesso de mim, cheira às boninas do campo, as mimosas, as chagas de cristo, as papoilas em fogo, beijadas pelo sol de Agosto. Na minha terra o cheiro é de gente, de corpos suados, colarinhos sujos, botas enlameadas. Cheira a queijarias e cabras e ovelhas nos quintais.
  Deito-me e acordo na minha terra com o fundamental cheiro do pão. De noite, tapado, abafado em mil panos quase o ouço crescer, fazer-se grande no breu e no silêncio. De manhã desperto com o sopro vital nas narinas vindo desse deus maior que o tempo: o pão que coze e estala e abre fendas no seu rosto perfeito.


  Com o dia a fazer-se pequeno o pão vai operando os seus milagres e multiplica-se para alimentar todas as bocas que se abrem para ele. O pão que é hóstia sagrada e que também se banha despudoradamente em caldos salpicados de ervas cujos nomes se vão perdendo nas idades do mundo. O pão onde se derrama o azeite quente, luxuriante, dando-se ainda por vezes requintes de polvilho de açúcar.


  O pão cheira a pão e só quem sabe o que isto é pode dizer que viveu verdadeiramente. Porque é na lenha do forno, qual útero fértil, que se gera a vida, que se alimenta a Humanidade antes mesmo que ela se lembre.


  A minha terra é célula apenas, de uma vida bem mais complexa. No entanto, para mim, é só dela este cheiro do pão que me acolhe, me mima, me alimenta, muito antes de viajar dentro das minhas entranhas.


  Cheira a filhos paridos com dor, cheira a caminhos longos, a paisagens desoladoras, cheira a ocasos roxos, cheira à pólvora dos foguetes em dia de procissão, cheira a paredes caiadas de branco. cheira a porcos enfrentando o digno destino final sob o fio da faca, cheira a lajes lavadas com água, a dias quentes e a noites geladas.
  Na minha terra, o pão cheira à minha memória e leva-me a ela, onde quer que me encontre.









                                                       

2 comentários:

  1. Gostei do seu blogue! Das imagens, dos trocadilhos, dos sons e dos imensos sabores!... E das cores, claro, das cores! Como pintor, adorei as cores e os agradáveis contrastes com que brinda os seus seguidores... Um dia ainda hei-de ir à sua terra, pintar a sua Terra com as minhas e as suas cores. E parabéns pelo seu trabalho!...

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    1. Caro João, muito grata pelas suas palavras. Amo o que faço. Quando assim é nem trabalho se chama. Escrevo a vida e essa é uma festa :)

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Gosto de temperar e acertar os sabores dos comentários por aqui. Tudo ameno e em boa medida.